Mesmo depois de ter sofrido uma tentativa de golpe e admitido que a inteligência não funcionou, o governo Lula completa um mês sem ter dado um passo concreto para reestruturar a área, sob domínio dos militares há vários governos.
A indefinição abriu guerra entre dois grupos de interesse. Os militares, que nunca aceitaram perder influência sobre a área de inteligência, mesmo com o fim do Serviço Nacional de Informações, e os servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que querem um nome próprio para a direção.
No meio da disputa está o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública, Luiz Fernando Correa, preferido de Lula para assumir a função. Ex-diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando foi responsável pela implantação da Força Nacional de Segurança Púbica e coordenou a elaboração e execução do Plano de Segurança dos Jogos Panamericanos realizado no Rio em 2007.
O mais fácil tem sido driblar a pressão dos militares, que controlam a Abin por meio da subordinação do órgão ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), a antiga Casa Militar.
No governo Dilma, servidores da Abin reclamavam que elaboravam relatórios de inteligência parrudos, mas o GSI filtrava as informações e só passava uma espécie de clipping de jornais à presidente. Dilma extinguiu o GSI em segundo mandato; mais tarde, o órgão foi recriado por Temer.
Os sucessivos fracassos do GSI são argumentos mais sólidos para diminuir a influência militar no setor:
- O GSI não evitou e não explicou como a presidente Dilma foi espionada pelo governo norte-americano;
- No governo Temer, o GSI não impediu que o presidente fosse gravado pelo empresário Joesley Batista, nem antecipou a greve dos caminhoneiros;
- No governo Bolsonaro, avião da FAB, da comitiva presidencial era utilizado para carregar cocaína. Nas barbas do GSI;
- Uma investigação apontará se o GSI foi omisso ou cúmplice da tentativa de golpe de 8 de janeiro.
Ou seja, sob gestão militar o GSI foi coerente: falhou em todos os governos. Por isso, a ideia é deixar a Abin trabalhar sem a tutela militar, subordinando-a à Casa Civil.
Outro nó que o governo tenta desatar é a pressão dos servidores da Abin ao nome de um policial federal para gerir a agência. Como no currículo de Luiz Fernando não há manchas que o desabonem para o cargo, os servidores da Abin argumentam que se sentiriam mais uma vez desprestigiados, o que é compreensível em qualquer corporação. Não seria diferente na Polícia Federal.
A solução tem sido emitir sinais de que esta será a última gestão de alguém de fora para o posto máximo da Abin. E que a principal missão de Luiz Fernando será organizar a estrutura para que, a partir de sua gestão, a sucessão passe pelos quadros internos.
Até lá, o governo que sofreu uma tentativa de golpe continua vulnerável na área que deveria ser prioritária: a inteligência.